Uma conversa pós-morte com o produtor executivo Glen Mazzara

Quando Glen Mazzara assumiu o controle de The Walking Dead ano passado, de Frank Darabont, ele passou metade da temporada fazendo o grupo de Rick dar o fora da fazenda. O conjunto da terceira temporada tem sido seu dodói – e as coisas estão diferentes. Não tem mais essa de conversas sobre moralidade e sobre a importância da cooperação. Sem mais egocentricidades. Sob os cuidados de Mazzara, o que restou desse mundo é uma zona de guerra com matanças e derramamento de sangue contínuos, e não apenas de zumbis. No final de mid-season de domingo (pare aqui e volte depois se você ainda não assistiu) Michonne acerta o Governador duas vezes: uma figurativamente, no coração, por ter matado sua filha zumbi, e depois literalmente, no olho. O grupo de Rick entra em um tiroteio que leva a vida de vários, incluindo Oscar, o nobre prisioneiro que estava começando a se ajustar no grupo.

Alguns dias atrás, o site Vulture encontrou Mazzara e ele estava dando os toques finais no episódio final da temporada (que estréia ano que vem), e conversaram sobre a transformação da série e sobre como ele fez tudo ficar em alta velocidade. Ele também deu dicas de para onde a vingança do Governador pode caminhar, sobre as chances de sobrevivência de Merle, e sim, sobre as pessoas responsáveis pelos grunhidos dos zumbis.

Até o momento esta temporada parece diferente do que tínhamos visto antes: o mundo está maior, tem mais personagens, mais movimento, a marcha é mais rápida.

Essa foi minha intenção. Temos uma tela maior esse ano e temos dois temas rolando. Um é que ninguém consegue sobreviver sozinho nesse mundo. A sociedade caiu e o que estamos vendo é o recomeço de tudo. Todas essas diferentes moléculas vão começar a atrair umas as outras, laços vão começar a ser formados, assim como laços vão começar a ser destruídos. Assim, quando o laço Andrea-Michonne se rompeu, Michonne foi lançada para Rick. O laço entre o Governador e Merle também se rompeu, e agora Merle quer se ligar novamente a seu irmão. Então temos essa ideia de todos esses materiais diferentes se juntando para reconstruir uma nova civilização. O que resultará disso? Nós teremos de esperar para ver.

Uma outra [coisa] é que eu realmente quis que isso parecesse ter sido escrito centenas de anos atrás, sobre a primeira grande guerra entre humanos depois da queda da civilização, depois do apocalipse zumbi. É isso o que você vê. Veja o quão complicado [a rebelião de Rick em Woodbury] isto é. A história não é feita apenas de fatos claros. Existem muitos incidentes, muitas circunstâncias, erros, esse tipo de coisa. É por isso que a série tem um ritmo maior e está mais surpreendente. Parece mais real. Sinto que queremos contar, ou mostrar, esse relato histórico fictício. E o que você vê nesse final de mid-season é a primeira batalha, o primeiro conflito de uma guerra. Eu acredito que a guerra vai continuar por algum tempo.

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Merle está agora na lista negra de todo mundo, o que me faz pensar que ele ficará vivo, mesmo tendo em vista situações tão complicadas. Certo? Ou ele está ferrado mesmo?

Bom, todos ali estão ferrados. [risos] Michael Rooker faz um grande trabalho com esse personagem e eu acho que o Merle que ajudou o Governador a liderar Woodbury não é o mesmo Merle que poderia fugir de Woodbury e tentar entrar no grupo de Rick ou tentar se reconectar com seu irmão. Eu gostaria de vê-lo sair dessa. O Merle é um cara misterioso. Ele é um sobrevivente. Vamos ver como ele se reinventa.

Quando o Governador está virando Woodbury contra Merle e seu irmão Daryl, ele invoca muitas falas ‘pós 09 de Setembro’ sobre terroristas em seu discurso. Aquilo foi discutido?

Eu acredito que sim. Ele está brincando com o medo das pessoas. Ele precisa que as pessoas fiquem apavoradas para que elas sigam seus planos. A palavra “terrorista” certamente cria um “nós” e “eles” mentalmente, e ele está se baseando naquela experiência que foi comum a todos nós, e pela qual nós passamos como uma nação. O ataque do grupo de Rick é um ato de terrorismo da perspectiva do povo de Woodbury porque não foi provocado, então faz sentido.

Quando falamos com David Morrissey uns dias atrás sobre o interrogatório de Maggie, ele viu aquilo como o Governador testando seus próprios limites. Ele sabia desde o início o quão mal o Governador ficaria?

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Não, ele não sabia. David e eu tivemos conversas detalhadas sobre os planos para o Governador, sobre quem ele era e sobre o que ele poderia vir a ser. Mas a única cena que eu adiantei foi a interrogação de Maggie. E foi apenas um palpite que eu dei, a cena não tinha sido escrita ainda. Aquilo ilustrou muito bem para ele quem o personagem é, porque no momento ele não precisa usar de força ou estupro para saber a localização da prisão. Basta ele ameaçar Glenn na frente de Maggie depois de ter humilhada e deixada ela aos pedaços. David é um ator cheio de ideias e ele fez vários apontamentos sobre aquela cena. Ele gostou muito de entrar, pegar a caderia e dizer “Com licença?”. Eu havia escrito muitos diálogos para aquela cena, e David achou que ele poderia dominá-la apenas com o olhar ou com um gesto e com sentenças mais curtas. Quando estávamos construindo esse personagem era mais sobre o comportamento dele e menos sobre os grandes acontecimentos que podem ou não acontecer no futuro.

Existiram coisas na metade que passou da temporada que foram uma total surpresa para ele. Mas ele as abraçou. Ele não tinha nada a acrescentar nelas porque eu acho que ele pensou serem certas para o personagem e como o construímos até então. Os grandes atos dele até essa metade, acho que foi tudo muito natural para David.

[Essa próxima pergunta envolve um spoiler para aqueles que ainda não leram a HQ e não se tem certeza se isso será incluído na série. Os odiadores de spoilers talvez queiram passar adiante.] Na HQ, o Govenador estupra Michonne repetidamente, e ela arranca seu olho como vingança. Por que vocês decidiram guardar isso, mesmo que por enquanto?

Eu achei que era importante desenvolver esse personagem. Se ele fosse uma pessoa de estupros e mutilações, talvez a audiência não gostasse. Talvez o rejeitassem completamente, ele seria só um vilão e seria apenas uma questão de tempo até que ele caísse fora. Agora, eu gosto desse personagem, e eu quero ele por aqui por um tempo, então se ele estuprar Michonne imediatamente na história e nossos formidáveis heróis não o eliminarem logo em seguida, eles vão parecer sem poder. Eu acho que isso é algo que teria de ser construído.

Quando ele diz a Maggie para tirar a camisa, ele faz isso para aterrorizá-la. Estupro é um ataque de violência, e ele está usando uma ameaça de violência para colocar medo nela. Quando ele percebe que ela não lhe dará a informação que precisa, ele percebe que é uma perda de tempo e que ele precisa de uma abordagem diferente. Ele pensa muito nesse quesito, e é interessante para mim criar um personagem que usa o estupro como uma arma política, não necessariamente como um ataque pessoal. Se você der uma olhada em algumas guerras da África, você verá que o estupro foi usado como uma arma política, ou tem sido usado. Conversei sobre isso com Danai, que cresceu na África. A ideia de estupro como uma arma política, como uma confirmação política a ser explorada em The Walking Dead, é uma ordem grande, e é algo que eu consigo visualizar o Governador usando. Mas você precisa plantar uma semente e cuidar muito dela.

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É um material muito difícil de escrever e a última coisa que eu quero é ser desrespeitoso e não levar isso a sério, ou somente fazê-lo por motivos sensacionalistas. Isso não seria apropriado e não é isso o que quero. O que estamos definindo é que o Governador poderia ver o estupro como uma arma política. Poderia ser um meio para o fim. Isto está em seu personagem. Agora, se a história nos levar a um momento no qual ele precise estuprar alguém, pelo menos entenderemos parte de sua motivação. Não estou dizendo que vai ou não acontecer. É uma peculiaridade do personagem da HQ, e é algo sobre o qual nós consideramos muito sobre como fazer isso na série.

Nós ainda não sabemos quase nada sobre Michonne. Ela estava disposta a abandonar Andrea quando ela sentiu que tinha algo estranho em Woodury, e nós vimos um pinguinho de compaixão vinda dela para com a Penny encapuzada – claro, isso antes de ela perceber que ela era um zumbi. Nós vamos saber um pouco mais sobre como ela se tornou essa guerreira dura e silenciosa?

Você verá ela se desenvolver e tentar se integrar no grupo de Rick. Isso é importante. Nós vamos aludir a algumas histórias do passado, mas eu estou muito, muito interessado em contar uma história na qual estaremos examinando as decisões dos personagens atualmente. Eu não gosto muito de voltar atrás, a não ser que isso contribua para a história. Nós conversamos sobre o passado dela e sabemos como foi, mas não tem um episódio autônomo sobre o passado dela nem nada do tipo. Não é isso o que fazemos.

Muito se tem escrito sobre o quão polarizadora Lori foi. Por que você acha que ela, e nessa direção outras esposas justamente nervosas como Skylar de ‘Breaking Bad’ e Betty de ‘Mad Men’, foi tão divisiva? E por que vocês decidiram matar Lori naquele momento?

Eu não quero falar sobre as outras séries, mesmo sendo fã de ambas. Eu posso dizer que na nossa série as pessoas sentiram que a Lori estava fazendo um homem ficar contra o outro. Eu acho que ela se redimiu. A ideia de mata-la foi tão simples: quebraria Rick. No começo da temporada Rick era um grande líder, formidável, manteve todo mundo vivo durante o inverno, e agora ele está despedaçado, em um momento no qual o Governador está irritado. A alucinação na qual RickShane acontece justamente quando o Governador perde um olho e a filhinha, e ele está vindo na direção de Rick. É uma grande história. Rick está entrando em colapso. Ele precisa de alguém como Michonne. Matar Lori também fez Carl seguir um caminho bem interessante.

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Certo. Carl acaba salvando Tyreese, outro personagem da HQ, que é introduzido nesse personagem liderando seu próprio grupo de sobreviventes. (Na HQ, ele é um membro original do grupo de Rick.) Por que trazê-lo agora e como ele vai mudar a dinâmica na prisão?

Nós introduzimos Tyreese agora porque vai complicar a vida de Rick ainda mais. Nós adiamos a introdução de Tyreese até esse ponto porque nós temos muitas informações novas para a audiência. Temos o Governador, Michonne, a volta de Merle, a prisão, Woodbury. Agora que tudo isso está acontecendo e as pessoas entenderam a dinâmica, eu quero adicionar outra bola curva [risos] só para fazer ficar ainda mais desafiador para Rick. Então enquanto ele está fora, em Woodbury, tentando resgatar diferentes pessoas, do nada, um grupo de estranhos está na prisão. Isso será muito importante na volta da temporada, sendo que Rick não confia em ninguém.

Milton, o cientista improvisado e o mais nerd dos tenentes do Governador, é um dos poucos personagens originados da série. Qual era a ideia para ele?

Nós estávamos explorando como seria a realidade de um apocalipse zumbi e nós pensamos que nem todo mundo seria um matador de zumbis durão. Devem ter pessoas que não são apenas o físico, que não são capazes de se defenderem sozinhas. E pensamos em um personagem que criaria um cargo para si mesmo no qual ele seria um estudioso que se aprofundaria no problema dos zumbis, que tentaria achar uma solução que faria com que ele fosse valioso para o macho alfa do grupo, o Governador. Sentimos que em um apocalipse zumbi existiriam pessoas que iriam sobreviver por serem úteis, e não necessariamente pelo seu talento em matar zumbis.

Mas é complicado para ele, não é? Ele não parece concordar totalmente com os métodos do Governador – ou talvez ele não esteja inteirado deles.

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Milton tem um centro moral maior do que o Governador. Devo dizer que ele bota fé no Governador, ele acredita que o Governador é uma pessoa decente com uma boa missão bem fundamentada. Ele apenas acha que o Governador está perdendo o foco e se distraindo. Milton não vai necessariamente se opor ao Governador, mas vai querer fazê-lo voltar ao caminho certo.

Nós criamos um vídeo- registro de bebês para Judith na Vulture, quais são as chances de Judith sobreviver para receber nossos presentes?

[risos] Bom, Judith é um símbolo de esperança. O grupo se mobilizou para manter o bebê a salvo. Seria uma perda enorme e nós com certeza somos uma série que explora a perda e não temos medo de mostrá-la, mas no momento, devo dizer, pelo menos ela tem um nome, certo? Um dia de cada vez.

E agora, uma pergunta boba! Os zumbis fazem sons muito distintos. Quem os grava? Nós imaginamos um monte de pessoas em uma cabine de gravação fazendo “RRRRRRRRRRAAAARRRRRRSSSHUUUUUUUUUURRRRRRRR” por uma hora.

Eles fazem! São três ou quarto pessoas circulando um microfone fazendo barulhos. Eles circulam por algum tempo. É engraçado de ver. Eu participo na mixagem dos sons e às vezes quando temos uma cena de alguém matando um zumbi, temos alguém que acaba dizendo “Ai!” ou “Outch!” e temos de tirar esses porque um zumbi não ficaria chateado por estar sendo atacado. Temos de cuidar para não deixar passar nada de personalidade nessas coisas de zumbi. Isso é meio que relacionado, mas ontem eu estava fazendo um mix de áudio e eu acrescentei “Quando estamos esmagando a cabeça de um zumbi, podemos ter mais som de osso, ao invés de som de esguicho?” E os caras ficaram tipo “Sim, claro. Quanto mais de osso? Um som de rachar? Ou de estilhaçar?” E eu respondi, “Sim, algo do tipo, porque essa parte parece muito como um som de algo jorrando para mim.” [risos] Design sonoro é uma benção.

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Fonte: Vulture

Jessica Storrer

Estudante de Comunicação, professora de Inglês, staff esporádica e zombie killer nas horas vagas. Tenho pavor de políticos, aspargos e portas giratórias. Sou doente por seriados, pela estrada, por mapas, por Stephen King e por culturas novas.

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