Atenção! Este conteúdo contém SPOILERS do décimo quinto episódio, S09E15 – “The Calm Before”, da nona temporada de The Walking Dead. Caso ainda não tenha assistido, não continue. Você foi avisado!
Eu li os spoilers e estava me preparando psicologicamente para destruir em xingamentos Angela Kang e toda a equipe de produção, roteiro e direção desse episódio. O problema é que The Calm Before se antecipou e me desestruturou. Eu nunca achei que eu me importaria tanto com personagens que pra mim, até então, eram totalmente irrelevantes.
Com jogos de presente e um passado não muito distante, a partícula da nona temporada dessa semana foi devastadora. Talvez eu não me sentisse assim desde a morte de Andrea na terceira temporada ou a saída de Sophia zumbificada do celeiro Greene. Diferentemente de ser um episódio violento ao extremo – como é o da morte de Glenn e Abraham – The Calm Before se propôs a dilacerar nosso emocional. E conseguiu, sendo mais um daqueles que me deixaram deitado na cama olhando para o teto até às três horas da madrugada.
Uma das forças desse episódio foi a forma como ele conseguiu fazer uma intersecção entre personagens que nós nunca tínhamos visto. Ainda, a forma como ele foi poético em usar um símbolo – as moedas de Hilltop – do inicio ao fim da trama.
Hilde e Miles eram um casal que até então desconhecíamos, já que chegaram à comunidade agrícola em meio ao salto temporal. Aparentemente, o companheirismo e a cumplicidade entre eles era bastante presente. Nos poucos minutos de tela, vimos alguns de seus aniversários de casamento e o hábito de se presentearem.
Enquanto nosso coração é acalentado pelo amor e pela leveza que a cena apresenta, há uma abrupta mudança e ouvimos a música de Lydia sendo cantada por Alpha. Hilde e Miles morreram nas mãos de Alpha, que a está escalpelando.
O público já tem experiência suficiente com The Walking Dead ao ponto de saber que qualquer momento de alegria expressiva é sinal para que a devastação aconteça. Assim, a feira planejada por Ezekiel estava funcionando e tudo estava correndo maravilhosamente bem. O Rei cita Rick, Carl e Jesus em um discurso emocionante, lembrando o quanto todos lutaram para chegarem ali.
Com a chegada de Michonne ao local, finalmente o Estatuto redigido pela própria pôde ser assinado pelas lideranças. É um momento único. Depois de praticamente seis anos, as comunidades estão abertas a se unirem novamente. Ao mesmo tempo que estão reunidos, algumas diferenças são expostas. Tara e Michonne tratam ali mesmo seus principais desentendimentos dos anos.
Conforme conversam surge a questão: o que fazer com Lydia? Para a líder da comunidade rurícola (Tara) se qualquer uma das sociedades abrigar a garota, Hilltop será o alvo de Alpha. Assim, Chambler argumenta que a jovem Sussurradora não é parte deles. Mas, aí é que as referências retornam, e Michonne relembra que foi recebida na prisão quando pareceu uma ameaça para Rick. Ainda defendendo Lydia, ela lembra a própria Tara que mesmo ela estando ao lado do Governador quando a prisão caiu, o grupo a acolheu. Então por qual motivo eles agiriam diferente com a garota? Se ela não escolheu pertencer à família de Alpha, não é justo lhe dar uma opção de fugir da vida que levava?
Talvez uma das maiores curiosidades esteja no enredo de apoio dessa cena. Rachel está ali e se manifesta como líder de Oceanside. Ela, que antes do salto temporal era uma garotinha na idade de Judith hoje, assina o tratado entre as comunidades. Mas que fim levou Cyndie e Beatrice?
Carol, Daryl e Michonne lideram um grupo para garantir que Hilltop não seja atacada. Entretanto, acabam encontrando os restos do incidente que levou Hilde e Miles ao encontro com Alpha. Constatado que se tratava de um ataque dos Sussurradores, e apoiados por Yumiko, vão ao encontro dos antagonistas, enquanto os demais prosseguem para a comunidade rural.
De repente, no meio da noite, os quatro se veem encurralados por uma horda de mortos. Assim, temos uma sequência maravilhosa de jogo de câmeras somada a ação dos personagens para se manterem vivos. Quando exterminam incontáveis zumbis, são cercados por outra ameaça: os Sussurradores (sendo que um deles usa o rosto de Miles como máscara).
Alpha intima Daryl – após ignorar Michonne – ao chegar com seu facão coberto de sangue de algum lugar. Ela o leva para o cume de uma colina e lhe mostra um oceano de mortos como forma de ameaça. Daryl entende o recado. Ao perguntar de Lydia, Dixon parece mexer com as poucas emoções que Alpha ainda não pôde abnegar.
Os quatro personagens são liberados das mãos dos Sussurradores, com Alpha lhes dizendo que há uma demarcação na fronteira de suas terras. Enquanto isso, Alpha acaba chorando ao perceber que perdeu a filha. Um de seus aliados a vê chorar e ela o mata friamente, para que sua fraqueza não seja exposta ao bando. Será a perda de Lydia o declíneo da líder dos Sussurradores?
O sinal de Alpha é vislumbrado, após os quatro sobreviventes encontrarem Siddiq recostado em uma árvore. Em estacas, a cena dos quadrinhos (edição 144) toma vida. Imitando exatamente os impressos, cada cabeça ganha foco enquanto é alternada com pessoas no Reino procurando pelos personagens.
A trilha sonora, somada ao foco nas cabeças e a reação dos protagonistas da trama é de arrepiar. Mas tudo ganha um sentido inovador quando vemos Siddiq discursar no Reino e conta a história de o que aconteceu. É devastador ver aquelas pessoas lutando pelas vidas com o que podem. Uns lutando pelos outros. Por mais que se tratem de – na maioria – meros coadjuvantes, eles estão compenetrados em seguir vivos juntos. Ali está expresso o valor da vida muito além do valor dos personagens para a trama.
E no fim, vemos Lydia sendo acompanhada por Daryl, indo prestar uma homenagem para Henry. Ela deixa seu colar – feito com a moeda confeccionada por Hilde – aos pés da estaca do jovem. As moedas que começaram o episódio cobertas de sangue, acabam a mesma trama em local de morte.
Como eu disse no inicio, pela história e pelas escolhas para um dos momentos mais marcantes, o episódio tinha tudo para ser decepcionante. Se terminasse na revelação das estacas, talvez fosse frustrante. Mas a decisão de ir além e criar algo que não existia nos quadrinhos, demonstrou a validade do que Angela tem feito nessa temporada. Foi emocionante e eletrizante até as estacas, mas quando vislumbramos a luta dos donos das cabeças pela vida, se tornou devastador.
Devemos lembrar que por mais que a maioria daqueles personagens fossem descartáveis para nós, dentro do mundo deles, eles tinham o mesmo valor. Eles lutaram por nove anos para sobreviver, independentemente de nós conhecermos toda a sua história. Os Salteadores, Frankie, os adolescentes, Tammy, todos eles tem uma história. Todos eles passaram por algo para estarem ali. E quando nós os vemos constatando que o momento da morte havia chegado, eles decidem continuar a lutar. Não só por eles, mas uns pelos outros.
Um pouco da sensação preconceituosa se dá pelo fato de querer muito mais do que podia ser oferecido. Nos quadrinhos são doze mortes, duas delas são de personagens relevantes – Rosita e Ezekiel – mas de resto, são tão coadjuvantes (ou mais) dos que apresentados na série. Fora que, se víssemos Espinosa e o Rei morrerem como nos impressos, talvez o impacto fosse o mesmo que Tara, Enid e Henry. The Walking Dead perdeu três nomes fortes nos últimos tempos e Angela não poderia arriscar em matar personagens centrais, como os três protagonistas. Ela se importou, por exemplo em criar um espaço emocional muito mais amplo para a Tammy da série do que a personagem tem nos quadrinhos.
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Fora que a sobrevida de Rosita e Ezekiel nos traz questionamentos: o que será o arco deles agora? Pelo que Kang tem trazido até o momento, devemos confiar que ela escolheu evitar as estacas por ter um momento muito maior a ser construído logo em frente. Ela não os pouparia apenas para deixá-los avulsos na história. Ainda, ela utilizou de comicidade quando montou uma cena em que Ezekiel passeia com Alpha pelo Reino e a vilã encara Rosita ao longe. Para quem não leu os spoilers e conhece a história dos quadrinhos, foi um momento de ter a certeza que o fim de ambos estava próximo.
Direção, roteiro, trilha sonora. Tudo cooperou. Não posso deixar de citar nomes que abrilhantaram com suas interpretações viscerais: Samantha (Alpha), Cassady (Lydia), Eleanor (Yumiko), Danai (Michonne) e Melissa (Carol) deram voz ao sentimento irreparável. Suas expressões levaram-nos a entender o que se passava na cabeça dos seus personagens em cada momento que apareciam. Ódio, frieza, rancor, medo, desprezo, repugnância, desespero, choque, desistência. No rosto das atrizes as emoções foram passadas. O elenco feminino de The Walking Dead cada vez demonstra que os homens precisam trabalhar duro para chegarem a sombra da interpretação das mulheres. E o que falar de Judith vendo seu primeiro filme? Tão puro.
Muitas críticas verteram para o fato de que não vimos as pessoas serem mortas e degoladas e que isso provava uma desqualificação do que The Walking Dead já foi um dia. Acho que assim como se víssemos Sophia sendo mordida na segunda temporada antes de aparecer zumbificada, vermos a cena brutal da separação de corpo e cabeça chamaria tanto a nossa atenção que todo o lado emocional e psicológico que seria passado depois, não importaria e perderia valor. Seria tão desconfortável e aterrorizante ver a cena que a representação das estacas e a cena da luta pela vida seria frágil. Direção e roteiro souberam os limites para montar uma boa história.
Enfim, Angela Kang se mostrou mais uma vez capaz de assumir a trama. Um episódio que ficará marcado na memória, assim como tantos outros das temporadas anteriores.
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