A The Walking Dead Deluxe 1 foi lançada em 7 de Outubro de 2020 nos EUA. Com a decisão de publicar novamente todas as edições dos quadrinhos de The Walking Dead, dessa vez em cores e chamados de “Deluxe”, foi anunciado que os roteiros originais escritos a mão por Robert Kirkman seriam liberados junto.
Além desses roteiros, o próprio Kirkman estará comentando os principais tópicos e o porquê dessas decisões, criando o conteúdo extra chamado de “Cutting Room Floor“.
O texto de chamada da edição 1 conta: “Começando nesta edição, Rick Grimes desperta em um mundo no qual ele não está preparado para enfrentar. Este Xerife de uma pequena cidade deve agora lutar contra as forças dos mortos-vivos enquanto procura sua esposa e seu filho, desaparecidos. Esta é a edição onde tudo começa.”
Além da Cutting Room Floor, um dos outros conteúdos extras e super especiais que tem na The Walking Dead Deluxe é o “Letter Hacks“, onde o Kirkman e sua equipe respondem aos questionamentos dos fãs.
Abaixo você confere o Cutting Room Floor da The Walking Dead 1.
“Espere, tem mais? Robert Kirkman já não falou o suficiente no Letter Hacks? Esse cara gosta de simplesmente ver a tinta das próprias palavras ou algo assim?” Talvez sim, mas isso é The Walking Dead Deluxe, e se nós parássemos em uma simples carta escrita por mim não teria o luxo que vem com a palavra “deluxe”, não é?
Sim, claro, essas cores fabulosas feitas pelo fantástico Sr. Dave McCraig são o evento principal, mas se vamos celebrar essa saga enquanto relançamos tudo, precisa ter algo a mais, certo? Talvez um conteúdo exclusivo dos bastidores liberados em uma rotina de toda edição? Algo assim?
Bem, isso nos leva a “Cutting Room Floor”. Mas, afinal, o que diabos é esse tal de “Cutting Room Floor”?
Bem, cada edição de The Walking Dead, desde a edição #1 até o final da edição #193 e todos os especiais e histórias curtas liberados ao longo do caminho, tudo começou… no papel. Isso mesmo, essa saga inteira foi planejada por mim no papel, com uma lapiseira. A coisa mais clássica, sem sentido e idiota. Sou um homem velho e só estou ficando cada vez mais velho, é muito triste.
Curiosidade engraçada (ou talvez não): Cada um desses roteiros escritos a mão foi escrito com a mesma lapiseira. Que loucura, não é? Meu pai me deu essa lapiseira 0,7mm da Pentel quando eu estava na sétima série, em algum momento de 1991 ou por aí. Eu a tenho desde então e, quando comecei a escrever quadrinhos, eu a usei para tudo que eu fazia porque era uma lapiseira boa e confiável… e ainda é, quase 30 anos depois. Isso que é uma lapiseira confiável. Sim senhor, Pentel é a melhor. Eu seria, com certeza, um bom vendedor para essa marca de lapiseiras. Nossa!
Temo que essa lapiseira se tornou como o cabelo de Sansão para mim. Nesse momento, me preocupo que não conseguiria escrever nada sem ela. Não sou uma pessoa supersticiosa, mas eu me permito ser um pouco charlatão às vezes. Então, nesse momento, sou bem cuidadoso para garantir que essa lapiseira seja usada em todo projeto grande ou pequeno… só por precaução. Mesmo com as maravilhas do iPad moderno, eu ainda faço todos meus roteiros no papel… com essa lapiseira.
Para mim, trabalhar com papel é simplesmente mais fácil. Me ajuda a organizar meus pensamentos de um jeito claro e visível e me permite estruturar a história como eu quiser. Também me ajuda a ver a edição toda em uma imagem só, então eu sei o que estou fazendo e sobre o que estou falando. Me ajuda a garantir que a edição seja interessante. Isso é importante.
Muitas vezes, eu começo a escrever uma edição, chego na página 10 ou por aí, falando sobre o que eu tinha planejado falar, quando eu percebo “Parece que essa pode ser uma edição entediante, preciso apimentar as coisas”, e eu volto e adiciono alguma coisa animadora.
Em quadrinhos, uma das coisas mais importantes sobre o formato para mim é escrever nos versos das páginas. As páginas de número par são sempre no verso, e é aí que você pode esconder os seus momentos animadores e surpreendentes. Se alguma coisa chocante acontece em uma página de número ímpar, você vai ver enquanto estiver lendo a página anterior. Se estiver no verso da página, bem… você consegue surpreender o leitor imediatamente. Uma das muitas coisas que aprendi com Erik Larsen.
Então, quando você ver esses roteiros, vai ver que eu começo numerando de 1 a 22 no canto esquerdo da página. Isso me permite agrupar o que eu planejei nos versos das páginas. Infelizmente, não vai estar claro em que ordem eu escrevi esses roteiros. Eu, com certeza, pulo de uma página para a outra. Teve mais de uma edição em que comecei na página 16, sabendo que tinha um grande momento ali. Depois, eu construo a edição até aquele momento, quando já está mais ou menos garantido o que vai acontecer. Frequentemente, eu começo com a página 22. Muitas vezes, começava a edição sabendo como seria minha surpresa no final, então eu escrevia isso antes, e depois estruturava a edição como uma marcha lenta levando àquele momento. O propósito de histórias secundárias é, às vezes, enrolar e encher uma edição, garantindo que tivesse coisa suficiente acontecendo antes da página final. Depois, essas histórias secundárias criavam o que seria uma surpresa mais para frente.
Muitas vezes falei de como, algumas vezes, eu sei a história e construo a edição até chegar nela e como, em outras vezes, vou inventando ou mudando tudo conforme escrevo. Isso realmente me ajuda a manter o livro sabendo que tenho uma história sólida planejada que posso seguir, mas mantendo as coisas interessantes ao longo do caminho ao explodir essa história sem motivo nenhum. É aí que a saga fica mais interessante para mim, quando algo novo e melhor surge e substitui um plano anterior.
Em algum momento há quase uma década atrás, eu decidi que seria legal compartilhar todos esses roteiros com os bons leitores da saga e mostrar, de verdade, alguns dos desvios que tomei ao longo do caminho, repassando as muitas mudanças que foram feitas e o porquê disso, uma olhada por trás das cortinas e isso levou ao “Cutting Room Floor”. Então, anunciamos um livro com esse mesmo nome que tinha a intenção de juntar os primeiros 50 roteiros da saga. Acontece que o plano foi mal cuidado e mal planejado.
Naquela época, eu passava muito tempo no set da série de The Walking Dead e eu estava na sala dos escritores o tempo todo, tudo enquanto tentava manter os quadrinhos continuando. Deixe-me te contar, deixar Charlie Adlard ocupado com roteiros é uma tarefa complicada. Frequentemente, eu chegava em casa da sala dos escritores, via a minha esposa e filhos no jantar e, depois que todos iam dormir, eu ficava acordado até tarde escrevendo três páginas mais ou menos para manter Charlie ocupado. Por causa dos fusos horários, meia noite para mim em Los Angeles é 8 da manhã para Charlie na Inglaterra. Então, enquanto eu estava dormindo, ele fazia um turno de oito horas e, quando eu acordava para voltar para a sala dos escritores, as três páginas já estavam desenhadas e esperando na minha caixa de entrada do e-mail. Era uma época interessante em que eu vivia de café.
Então, nem preciso dizer, o tempo era curto e o livro do “Cutting Room Floor” foi rapidamente adiado e virou uma coisa que me perguntavam em todas as convenções de série e quadrinhos que eu aparecia. Eu sempre dizia que estava trabalhando duro nisso (eu não estava) e que, eventualmente, iria ser publicado (e não foi). Eventualmente, depois de um ano de não ser capaz de achar tempo para organizar meus roteiros e escrever comentários de cada um deles… o livro foi abandonado.
Sempre me arrependi disso. Era uma ideia legal e, eu sei, como um fã de várias coisas, que eu adoraria ver um livro assim de alguma saga que eu gosto. Então, sempre foi algo que eu queria fazer.
Ao longo dos anos, eu dei início, trabalhando um pouco (bem pouco) em uma coisa ou outra disso. Mas nunca o suficiente para me sentir confortável em dizer que a publicação do livro estava próxima. Sempre pareceu muita coisa a fazer.
Então, surgiu a ideia da The Walking Dead Deluxe. Pareceu a oportunidade perfeita para esse conteúdo ver a luz do dia. O calendário de publicação de edições separadas me daria tempo de, pouco a pouco, criar tudo mês a mês. Então, faria o projeto não ser tão insuportável. E também me daria bastante tempo de realmente me aprofundar, e contar meus pensamentos e ideias do que aconteceu em cada edição.
Espero que seja uma experiência divertida para todos.
Siga a diante e mergulhe no roteiro complexo e definitivamente planejado para a histórica edição 1.
Aproveitem!
– Robert Kirkman
Acho que a primeira coisa que vale a pena mencionar é que, antes da saga começar, eu tive uma conversa com Erik Larsen sobre como ele sempre pareceu começar os quadrinhos com uma página chocante, seguida de uma página dupla de explicações. Ele mencionou como, na visão dele, isso te fazia investir na história mais rápido e que na página 4, você já estaria interessado. Até aquele momento, era como eu gostava de histórias também. Eu concordava bastante com o método Larsen.
Ele comentou, em contradição, que Todd McFarlane preferia começar as histórias dele com muitas palavras. A maioria das primeiras páginas dele eram bem cansativas e pesadas e cobertas de um monte de diálogos ou legendas. O pensamento de Todd era que ele queria que as pessoas sentissem como se tivessem feito seu dinheiro valer já na segunda página. Eu comentei que, como fã, eu sempre considerei as primeiras páginas do Todd uma barreira de entrada, e sempre achei meio que desagradável. Erik riu e concordou, mas adicionou que “O trabalho do Todd sempre vendeu mais que o meu.”
Então, quando comecei The Walking Dead, eu queria tentar algo diferente. Queria juntar o máximo de palavras possíveis em uma página, só para ver se isso resultava em um número maior de venda e… bem, você sabe o resto.
Vamos mergulhar nessa! Acho que minha caligrafia, mesmo que bagunçada, é possível de ser lida, mas vai depender de vocês.
No canto superior direito, eu geralmente escrevo algum diálogo rápido que planejo colocar nessa edição. No caso desse roteiro, o diálogo é: “- Então, pelo visto você era um policial. / – Dizem que nossa geração teve tudo fácil, algo tinha que dar errado.” Essas duas falas aqui não chegaram à edição final, mas quando comecei eu pensei que fossem importantes o suficiente para eu ter que escrever e não esquecer.
Olhando esse roteiro, é interessante QUANTA COISA mudou até a edição. A Garota da Bicicleta era originalmente uma criança. Entre a edição e o roteiro, eu decidi que uma mulher adulta ciclista seria mais triste ou teria uma conexão emocional maior com Rick. Não sei se concordo com isso agora, poderia ter sido melhor uma criança. A página chocante de zumbis no refeitório estava originalmente planejada para ser uma página dupla, mas, ao mesmo tempo, não havia outra interação de zumbis na estação de polícia, então tive que reorganizar tudo para adicionar isso.
Você pode ver como as coisas continuaram sendo adiantadas. Rick estava originalmente planejado para estar na casa de Morgan na página 17, mas isso aconteceu duas páginas antes.
E sim, Morgan era originalmente citado como “o cara negro” no roteiro. Morgan era para ter sido uma homenagem ao Romero de várias formas. Em todos os três principais filmes de zumbi do Romero, o cara mais capaz e legal é “o cara negro”. Então eu sabia que queria introduzir um personagem negro forte logo no começo. Eu disse a Tony para desenhá-lo “como um Morgan Freeman jovem” e o nome ficou. O último nome dele e o primeiro nome do filho, “Duane Jones“, é uma referência óbvia ao ator fantástico que interpretou Ben em “Noite dos Mortos Vivos”.
OBSERVAÇÃO para os fãs da série de TV: na página 5, você vai reparar a falta do aviso “NÃO ENTRE – MORTOS DENTRO” nas portas do refeitório. Isso foi uma adaptação do aviso “TODOS MORTOS – NÃO ENTRAR” que entrou na saga de quadrinhos mais tarde, mas foi adiantada para o episódio piloto na série.
Página 1: “Flashback de Rick sendo baleado” – Muito orgulhoso de mim mesmo por ter feito essa cena em uma página só. Não acho que conseguiria encaixar tudo em uma página hoje em dia. Será que eu era um melhor escritor quando jovem? (suspira em decepção).
Página 4: “Encontra corpo morto” – Perceba como essa cena que estava planeja para a página 3 foi mudada para um verso de página.
Página 8: “Fugindo, tropeçando e cai na escada” – Quando eu escrevi essa cena, adicionei o zumbi tropeçando com Rick e quebrando o pescoço para deixar as coisas mais animadoras.
Página 10: “Checa os carros… começa a andar” – Eu decidi perder menos tempo na garagem para podermos gastar mais tempo com a Garota da Bicicleta.
Página 11: “Vê uma criança na calçada e vai pegar a bicicleta” – Agora eu percebi que provavelmente mudei Criança da Bicicleta para Garota da Bicicleta para o Rick poder usar a bicicleta. Seria difícil e meio cafona para ele pedalar uma bicicleta de criança até chegar em casa. Boa decisão, antigo Robert. E pontos para o Tony por desenhar uma bicicleta de mulher corretamente. Acho que eu nem sabia que eram diferentes naquela época.
Páginas 14-16: “Vai até o quintal e é atacado”; “Cara negro e garoto falam Que merda!”; “Levam-no para dentro de casa” – Tudo isso obviamente precisa de menos espaço do que eu tinha planejado. No final, fui capaz de encaixar tudo em uma página só.
Página 17: “Rick acorda, tem uma longa conversa” – Quando eu escrevo algo como “longa conversa” em um roteiro, eu tenho uma ideia bem sólida do que deve ser escrito e isso é só para me lembrar tipo “Ei, idiota, é aqui que a longa conversa entra”.
Páginas 20-24: “Chegam na estação de polícia, conferem as mesas”; “Na sala de armas, juntando armamento”; “Abastecendo carros… se despedindo”; “Indo embora… para e desce do carro”; “Cena principal atira numa criança zumbificada de novo, chora e vai embora dirigindo” – Então, essa parte do roteiro é super atolada de coisas. Acho que nunca pensei que conseguiria encaixar tudo lá. Então, o que faço é finalizar o roteiro listando as informações importantes que quero nessas páginas, mas conforme vou escrevendo, vou tentando adiantar as cenas e usar menos páginas para poder escrever bem o final. É assim que o roteiro das páginas 14 até 16 acabaram sendo só na página 14. Então, quando acabo de escrever o roteiro da página 20, por exemplo, acaba ficando na página 17, me permitindo adicionar outro momento legal de zumbi e expandir a interação final do Rick com a Garota da Bicicleta, ou como ela aparece no roteiro, “criança zumbificada”.
Veja que o roteiro acaba com “atira numa criança zumbificada de novo, chora e vai embora dirigindo”. É uma forma bem fria de planejar o que sempre foi uma cena emocional no fim da edição. Você vai ver muito disso conforme continuamos. Esses roteiros são basicamente meu rascunho só para me lembrar em que páginas cada coisa fica. Eles vão parecer comicamente frios às vezes. Então, se acostume.
E depois de anos e anos de autocorreção… minha gramática também vai ser ridicularizada, então já estou preparado.
Eu nunca encerrei um roteiro com uma linha tão contextual assim antes… talvez eu sabia que essa era uma edição especial até naquela época.
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