A Galera Record disponibilizou a sinopse oficial e o primeiro capítulo do sétimo volume da saga de livros de The Walking Dead para leitura online.
The Walking Dead: Busca e Destruição, escrito por Robert Kirkman e Jay Bonansinga, foi lançado no dia 18 de Outubro de 2016 nos Estados Unidos e será lançado neste mês no Brasil. Confira todas as informações sobre ele abaixo.
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Título original: The Walking Dead: Search and Destroy
Autores: Robert Kirkman e Jay Bonansinga
Ano: 2017
Série: The Walking Dead
Gênero: Ficção Estrangeira
Páginas: 294
Preço: R$ 39,00
Lilly Caul e seu bando acreditaram que a paz estava mais próxima. Uma velha ferrovia que ligava Woodbury e Atlanta permitiu um projeto de reconstrução que acarretaria uma nova era de trocas, progresso e democracia. Isso até a cidade ser mais uma vez atacada e todas as crianças raptadas. Quem seria capaz submeter inocentes a tal violência gratuita, e por quê? As respostas para tais perguntas vão revelar que os mortos-vivos não são o maior problema do mundo pós-apocalipse. O maior dos desafios sempre repousa em seus adversários humanos…
UM
Naquela manhã escaldante de veranico, único trabalhador da ferrovia fazia a mínima ideia do que transpirava naquele exato momento no pequeno povoado de sobreviventes outrora conhecido como Woodbury, na Geórgia. A restauração da ferrovia entre o vilarejo de Woodbury e os subúrbios distantes de Atlanta consumiu essas pessoas — ocupando todas as horas de seus dias já há quase 12 meses —, e aquele dia não é exceção. Eles se aproximam da metade do projeto. Em pouco menos de um ano, limparam quase 30 quilômetros de trilhos e ergueram uma barreira sólida de estacas e tela nos dois flancos a fim de manter a linha livre de vagabundos, animais desgarrados e ferozes e qualquer outra obstrução que pudesse explodir, penetrar, crescer ou arrastar-se pelos trilhos.
Agora, sem saber da catástrofe que se desenrolava naquele momento em seu lar comunitário, a líder de fato da equipe, Lilly Caul, faz uma pausa no trabalho de escavação para assentar uma estaca, e enxuga o suor da testa.
Refletindo, ela olha o céu cinzento. O ar, em meio aos zumbidos dos insetos, é fragrante com o forte cheiro fértil dos campos agrícolas abandonados e sem cultivo. A batida abafada de marretas — cravos entrando em antigos dormentes da ferrovia — proporciona um ritmo sincopado ao barulho das cavadeiras. A meia distância, Lilly vê a mulher alta de Haralson — aquela que atende pelo nome de Ash —, próxima ao local de trabalho, patrulhando, com uma Bushmaster AR-15 no quadril. Ostensivamente, ela se mantém vigilante, procurando por qualquer errante que possa ser atraído pelo barulho da construção, mas naquela manhã em especial ela está particularmente alerta. Algo não parece certo. Ninguém consegue articular muito bem o que é, mas todos sentem.
Lilly retira as luvas de trabalho sujas e relaxa as mãos doloridas. O sol da Geórgia martela a nuca avermelhada e esbelta, no ponto onde o cabelo castanho arruivado está preso numa trança irregular. Seus olhos castanhos, ocultados por suaves pés de galinha, percorrem a área, avaliando o progresso dos outros trabalhadores ao longo da cerca
de tela. Embora ainda esteja a alguns anos dos 40, Lilly Caul exibe as rugas e linhas de preocupação de uma mulher muito mais velha. Seu rosto, tornou-se estreito e juvenil tornou-se mais sombrio ao longo dos difíceis quatro anos desde a praga. Sua energia ilimitada perdeu forças nos últimos meses, e os ombros sempre caídos lhe conferem um ar de meia-idade, apesar de seus característicos trajes hipster: camiseta de indie-rock esfarrapada, calça justa rasgada, botas de motoqueiro arruinadas e incontáveis pulseiras e colares de couro cru.
Agora ela nota alguns errantes cem metros a oeste, arrastando-se em meio às árvores — Ash percebe também —, a essa altura nada digno de preocupação, mas ainda algo que precisa ser acompanhado. Lilly observa os outros integrantes de sua turma de trabalho espaçados a intervalos regulares pelos trilhos, batendo cavadeiras na terra dura coberta de hera e vernônia. Vê alguns rostos conhecidos, outros desconhecidos, além dos que que só conheceu dias antes. Ela vê Norma Sutters e Miles Littleton, inseparáveis desde que se juntaram ao clã de Woodbury, há mais de um ano. Ela vê Tommy Dupree, o menino agora de 14 anos que parece ter quase 30, endurecido pela pandemia, um prodígio com armas de fogo e lâminas afiadas. Ela vê Jinx Tyrell, a solitária do norte que se provou uma verdadeira máquina de matar errantes. Jinx mudou-se para Woodbury alguns meses atrás, depois de ser recrutada por Lilly. A cidade precisa de novos cidadãos a fim de prosperar, e Lilly é excepcionalmente grata por ter esse pessoal durão do seu lado.
Intercalados em meio à família ampliada de Lilly estão os líderes de outros vilarejos que pontilham a área rural desvastada entre Woodbury e Atlanta. São pessoas boas e dignas de confiança, como Ash de Haralson, e Mike Bell, de Gordonburg, e vários outros que se juntaram à turma de Lilly por interesses, sonhos e temores em comum. Alguns continuam meio céticos diante da grandiosa missão de ligar as cidades sobreviventes à grande cidade do norte por meio da luta de foice que é essa ferrovia, porém muitos se juntaram à causa puramente por acreditarem em Lilly Caul. Lilly causa esse efeito nas pessoas — uma espécie de osmose de esperança —, e, quanto mais as pessoas trabalham nesse projeto, mais acreditam nele. Elas agora o veem tanto como uma tentativa admirável de controlar um ambiente que está fora de controle quanto um esforço para reconquistar uma civilização perdida.
Lilly está prestes a calçar as luvas de novo e voltar a cavar quando vê Bell a cerca de 400 metros, fazendo a curva do norte num galope rápido do cavalo de dorso curvo. O líder de 30 e poucos anos do pequeno grupo de sobreviventes entocados no vilarejo antes conhecido como Gordonburg, na Geórgia, é um homem diminuto, com cabeleira cor de areia que agora balança e tremula ao vento enquanto ele se aproxima dos trabalhadores. Alguns dos outros — Tommy, Norma, Miles — levantam a cabeça, sempre protegendo a amiga e líder.
Lilly pula o guarda-freio e caminha até a rampa de cascalho enquanto o homem se aproxima pela névoa com seu sarnento cavalo ruão avermelhado.
— Tem mais em nosso caminho! — exclama ele. O animal é irrequieto, de pescoço grosso, provavelmente um mestiço com vestígios de cavalo de tração no sangue. Bell cavalga com a deselegância saltitante e desajeitada do autodidata. Ele puxa as rédeas e vacila até parar no cascalho, levantando um pequeno redemoinho de poeira.
Lilly segura o cavalo, pegando em seu freio, e firma a cabeça que se agita loucamente. Uma espuma empoeirada pinga da boca do bicho, a pelagem molhada de suor.
— Tem mais o quê? — Ela olha para Bell. — Um errante? Mais ruínas? Um unicórnio… O quê?
— Uma ponte grande e velha sobre cavaletes — esclarece o homem, descendo do cavalo e batendo com força no chão, soltando um resmungo. Ex-funcionário de TI em Birmingham, o rosto juvenil queimado de sol e pontilhado de sardas, ele usa calções caseiros feitos de lona de barraca. Considera-se um cara do campo, mas pelo modo como luta com o cavalo e fala com o mais leve vestígio de vogais arrastadas, revela que é da cidade. — A uns 800 metros ao norte daqui — diz ele, gesticulando com o polegar. — A terra desce, e os trilhos passam direto por um vão instável por cerca de 50 metros.
— E qual é o prognóstico?
— Quer dizer com a ponte? É difícil saber, a coisa é muito complicada.
— Deu uma olhada mais de perto? Talvez a tenha atravessado com o cavalo, para testar ou algo assim?
Ele balança a cabeça em negativa.
— Desculpe-me, Lilly, só pensei que você ia querer saber disso prontamente.
Ela esfrega os olhos e reflete. Já faz algum tempo — meses, na verdade — que eles não encontram uma ponte sobre cavaletes. E a última só estava a poucos metros de distância. Ela começa a dizer alguma coisa quando o cavalo empina de repente; assustado ou por um barulho, ou um cheiro indetectável pelos humanos. Lilly acalma o animal, acariciando seu flanco gentilmente.
— Shhhhh — diz ela com suavidade à criatura, passando a mão pela crina embaraçada. — Está tudo bem, amigo, relaxe.
O animal tem um cheiro de bode, almiscarado devido ao suor e aos machinhos incrustados de sujeira. Os olhos estão avermelhados pelo esforço. A realidade é que aquele ruão alquebrado — e sua espécie como um todo — tornou-se tão valioso aos sobreviventes quanto eram no século XIX para aqueles que tentaram domar o oeste. Carros e caminhões ainda operacionais são mais raros a cada dia — até os suprimentos de óleo de cozinha para o biodiesel estão minguando. As pessoas dotadas de conhecimento, mesmo que rudimentar, sobre a criação de cavalos, de sua vida antes da praga, agora passaram a ser muito procuradas e respeitadas, como anciãos sábios de quem se espera ensinamentos e a transmissão do conhecimento. Lilly chegou até a recrutar alguns para morar em Woodbury.
Nos últimos meses, muitas carcaças enferrujadas de carros foram cortadas ao meio e convertidas em carroças improvisadas e geringonças para ser atreladas a cavalos e ser parelhas. Nos anos desde o surto, a pavimentação foi maltratada pelas intempéries e se deteriorou para além de qualquer reparo. Os trechos restantes já tomados de mato, intransitáveis e esfarelados, são a maldição da existência dos sobreviventes. Daí a necessidade de um sistema de transporte seguro, confiável e rápido.
— Ele está assim o dia todo. — Bell assente com deferência para seu cavalo. — Assustado com alguma coisa aqui fora. E não são errantes.
— Como você sabe que não são errantes? Talvez um enxame chegando ou coisa assim?
— Passamos por um bando deles esta manhã, e as coisas nem mesmo o abalaram. — Ele acaricia o animal e sussurra para ele: — Não foi, Gypsy? Eles o abalaram? — Bell olha para Lilly. — Tem outra coisa no vento hoje, Lilly. Só não consigo identificar. — Ele suspira e olha para longe, como um garoto tímido. — Desculpe por não ter verificado a estabilidade da ponte… Foi uma idiotice de merda da minha parte.
— Não xingue, Bell. — Lilly lhe abre um sorriso. — Acho que é como o velho ditado, “vamos cruzar essa ponte quando chegarmos lá”.
Bell ri meio alto demais, sustenta o olhar da amiga por um tempo um pouco longo também. Alguns param de trabalhar e olham a dupla. Tommy se apoia na pá e sorri. Basicamente não é mais segredo que Bell tem uma paixão desesperada por Lilly. Mas também não é algo que Lilly queira perpetuar. No momento, a única coisa que consegue administrar na vida pessoal é cuidar dos garotos Dupree. Além disso, ela ainda lamenta a perda de basicamente todas as pessoas que um dia amou. Ainda não está preparada para entrar em um relacionamento. Mas isto não quer dizer que às vezes não pense em Bell, em geral à noite, quando o vento sussurra pelas frestas e a solidão a pressiona. Ela pensa em passar os dedos pelos cabelos gloriosamente fartos e louros de Bell. Pensa em sentir o toque macio de sua respiração na clavícula…
Lilly se livra das ruminações melancólicas e saca do bolso um velho relógio de bolso Westclox. Preso a uma corrente escurecida, o relógio pertencia ao falecido Bob Stookey, o melhor amigo e mentor de Lilly, um homem que morreu heroicamente há pouco mais de um ano, tentando, dentre outras coisas, salvar as crianças de Woodbury. Talvez por isso Lilly tenha adotado os órfãos da cidade. Lilly ainda lamenta a gestação perdida, a centelha que podia ter sido o filho de Josh Hamilton, um aborto espontâneo em meio ao tumulto do regime do Governador. Talvez por isso sua maternidade substituta agora pareça quase uma parte essencial da sobrevivência em si — uma parte inata de seu futuro, assim como do futuro da raça humana.
Ela baixa os olhos para a face amarelada do relógio e vê a hora do almoço se aproximando.
Ela não sabe que sua cidade está sob ataque havia quase uma hora.
Quando Lilly era uma garotinha, o pai viúvo, Everett Caul, uma vez contou-lhe a história da “Sopa de Pedra”. Uma história popular, com uma miríade de versões em muitas culturas diferentes, fala de três vagabundos desconhecidos que estão passando fome quando chegam a um pequeno vilarejo. Um deles tem uma ideia. Ele encontra uma panela no monte de lixo da cidade e pega algumas pedras, coletando água de um regato próximo. Aí acende uma fogueira e começa a cozinhar as pedras. O povo da aldeia fica curioso. “Estou preparando sopa de pedra”, ele lhes conta quando perguntam o que está fazendo, “e vocês são bem-vindos para tomar um pouco quando estiver pronta.” Um a um, os moradores começam a contribuir. “Tenho umas cenouras em minha horta”, oferece um. “Nós temos uma galinha”, diz outro. E logo a sopa de pedra é um caldeirão borbulhante de generosidade saborosa, contendo legumes, carnes e ervas aromáticas de várias casas.
Talvez a memória da amada história de ninar de Everett Caul estivesse latente na mente de Lilly quando ela decidiu ligar as pequenas cidades sobreviventes em sua região à cidade grande no norte por meio da ferrovia desativada.
Ela teve a ideia no ano anterior, depois de se encontrar com os líderes das cinco comunidades principais. De início, o propósito da reunião — que aconteceu no antigo e venerável prédio do tribunal de Woodbury — era partilhar recursos, informações e boa vontade com as outras cidades da Geórgia central. Porém, quando os líderes das cinco comunidades falaram da diminuição de seus suprimentos, das viagens cada vez mais perigosas e da forte sensação de isolamento em terras rurais, Lilly resolveu entrar em ação. Não contou seu plano a ninguém, no início. Simplesmente começou a limpar e consertar os antigos trilhos petrificados da ferrovia West Central Georgia Chessie Seaboard que passava por Haralson, Senoia e Union City.
Ela começou aos poucos, algumas horas por dia, com Tommy Dupree, uma picareta, uma pá e um ancinho. No começo, foi lento — alguns metros por dia sob o sol causticante —, com os errantes continuamente atraídos pelo barulho. Ela e o garoto tiveram de repelir incontáveis mortos naqueles primeiros dias. Mas os errantes eram o menor de seus problemas. Era a terra que lhes dava o maior sofrimento.
Ninguém tem certeza das causas, mas, nos últimos quatro anos após a praga, o ecossistema se transformou. O mato e uma oportunista relva silvestre tomaram conta de tudo, a ponto de sufocar galerias, obstruir leitos de rio e praticamente atapetar as estradas. Trepadeiras se multiplicaram em tal profusão que outdoors, celeiros, árvores e postes telefônicos inteiros foram literalmente cobertos por suas gavinhas desenfreadas. A deterioração verde deixou tudo peludo de vegetação, inclusive os incontáveis restos humanos que ainda jaziam em valas e trincheiras. O mundo ficou cabeludo, e o pior parecia ter se apoderado dos trilhos de ferro da linha Chessie Seaboard em tranças obstinadas de flora com a espessura de cabos.
Durante semanas, Lilly e o garoto cortaram a hera inclemente, transpirando ao sol, empurrando um carrinho de mão para o norte, por trechos limpos, com uma lentidão laboriosa. Mas o trabalho barulhento — que não era diferente da panela fervente aos cuidados dos forasteiros na história da “Sopa de Pedra” — atraiu olhares curiosos, de gente que espiava por cima dos muros de cidades sobreviventes pelo caminho. As pessoas começaram a se aproximar e colaborar. Logo Lilly tinha mais ajuda que jamais previra. Alguns trouxeram espontaneamente ferramentas e equipamento de construção, como cavadeiras, aparadores manuais e foices. Outros trouxeram mapas de ferrovias abandonadas, encontrados em bibliotecas públicas, walkie-talkies a manivela para fins de comunicação e verificação, e armas para a segurança. Parecia haver um fascínio geral pela missão quixotesca de Lilly de limpar a ferrovia até Atlanta. Na verdade, este fascínio estimulou um desenvolvimento involuntário que surpreendeu até mesmo a própria Lilly.
No segundo mês do projeto, as pessoas começaram a ver o ousado empreendimento de Lilly como o arauto de uma nova era, talvez até uma líder de um novo governo regional pós-praga. E ninguém conseguia pensar numa pessoa melhor para ser a líder desse novo regime que Lilly Caul. No início do terceiro mês, foi feita uma votação no tribunal de Woodbury, e Lilly foi eleita por unanimidade a governante da cidade — para seu grande desgosto. Lilly não se enxergava uma política nem uma líder, nem — Deus me livre — uma governadora. No máximo, considerava-se uma gerente de nível médio.
— Caso alguém esteja interessado — disse uma voz atrás de Lilly, enquanto ela procurava seu parco almoço na mochila —, acabamos de cruzar o marco dos 40 quilômetros.
A voz era de Ash. Ela se portava com a arrogância pronunciada de uma atleta, toda pernas arqueadas e músculos. Naquele dia trazia uma cartucheira de lona da era Vietnã com pentes de vinte balas cruzando a camiseta Hank Williams Jr. E uma bandana em volta do cabelo preto como carvão, e tudo isso camuflava a antiga vida de aristocrata nos enclaves ricos do nordeste norte-americano. Ela se aproxima, numa das mãos tem uma lata semiconsumida de carne Spam, e na outra, um mapa amassado.
— Este lugar está ocupado? — Ela aponta para um toco vago.
— Sente aí — responde Lilly, sem nem mesmo olhar, procurando na mochila as frutas secas e velhas e a carne-seca, os quais vinha racionando havia semanas. Ela se senta em um rochedo coberto de musgo enquanto pega as iguarias. Em Woodbury ultimamente, só existem comestíveis com longa vida de prateleira — passas, enlatados, carne-seca, misturas para sopa. As hortaliças foram colhidas até o fim, e já fazia algum tempo desde que alguma caça silvestre ou peixe entrava no alcance do abate. Woodbury precisava expandir as capacidades agrícolas, e havia meses Lilly vinha arando a terra pela periferia da cidade.
— Então vamos fazer as contas. — Ash enfia o mapa no bolso de trás, senta-se ao lado de Lilly, põe outra colherada de Spam na boca e saboreia a carne processada, como se fosse foie gras. — Estamos nessa desde junho do ano passado. Nesse ritmo… O que vai ser? Vamos chegar à cidade no próximo verão?
Lilly olha para ela.
— Isso é bom ou ruim?
Ash sorri.
— Fui criada em Buffalo, onde a construção dura mais tempo que a maioria dos casamentos.
— Então acho que estamos indo bem.
— Mais que bem. — Ash olha para trás, para os outros, que se espalham pelo lugar. Agora estão devorando seus almoços, alguns sentados nos trilhos, outros à sombra de imensos carvalhos vivos, contorcidos e antigos. — Só estou me perguntando se conseguimos manter o ritmo.
— Acha que não vai dar?
Ash dá de ombros.
— Parte dos trabalhadores vem reclamando do tempo que passa longe de seu pessoal.
Lilly concorda com a cabeça e olha a selva de trepadeiras se entrelaçando e trançando pela terra.
— Acho que podemos fazer mais uma pausa no outono, quando chegam os meses de chuva. Isto nos dará uma chance de…
— Desculpe-me se pareço um disco arranhado — intromete-se outra voz atrás de Ash, interrompendo e arrancando a atenção de Lilly da densa vegetação a leste. Ela vê um homem desengonçado e de joelhos ossudos, chapéu fedora e short cáqui, pulando para elas da arena de cavalos. — Mas existe algum motivo para ninguém ter ideia de qual é a situação do combustível?
Lilly suspira.
— Relaxe, Cooper. Coma seu almoço, recupere o nível de açúcar no sangue.
— Isso não é brincadeira, Lilly. — O sujeito ossudo se coloca diante dela com as mãos nos quadris, como se esperasse um relatório. Tem uma Colt Single Action Army .45 no coldre do cinto Sam Browne e um rolo de corda para escalada no quadril oposto. Ele empina o queixo pronunciado enquanto fala, fingindo ser um aventureiro arrojado. — Já passei por isso vezes demais.
Lilly olha para ele.
— Passou pelo quê? Por acaso teve outra praga que não vi?
— Você entendeu o que eu quis dizer. Acabo de vir do armazém de Senoia e eles ainda não encontraram nenhum combustível por lá. Lilly, estou te falando, já vi muitos projetos caírem pelo caminho por problemas com combustível. Se você se lembra, estive envolvido no projeto de…
— Eu sei, você já nos contou, mais de uma vez, até decoramos, sua “empresa projetou mais de uma dezena dos maiores arranha-céus de Atlanta”.
Cooper funga, seu pomo de adão proeminente subindo e descendo de frustração.
— Só estou falando que… Não podemos fazer nada sem combustível. Sem combustível só estamos limpando trilhos de metal que não vão a lugar algum.
— Cooper…
— Em 79, quando a Opep aumentou os preços do petróleo e o Irã fechou seus campos, tivemos de cancelar completamente três construções em Peachtree. Só ficaram suas fundações, como dinossauros no alcatrão.
— Tudo bem, escute aqui…
Outra voz soa atrás de Ash.
— Ei, Indiana Jones! Dá um tempo!
Todas as cabeças se viram para Jinx, a jovem andarilha que Lilly arregimentou no início do ano. Uma confusão volátil, brilhante e bipolar em forma de gente, Jinx usa colete de couro preto, uma miríade de tatuagens, múltiplas facas embainhadas no cinto e óculos escuros redondos, no estilo steampunk. Ela se aproxima rapidamente, as mãos em punho.
Cooper Steeves recua como quem se submete a um animal raivoso.
Jinx fala na cara do homem, o corpo tenso e retraído como uma mola de relógio.
— O que é essa compulsão sua de encher o saco dessa mulher todo santo dia?
Lilly se levanta e gesticula para Jinx se afastar.
— Está tudo bem, querida, eu cuido dessa.
— Cai fora, Jinx. Só estamos conversando aqui. — A petulância de Cooper Steeves esconde muito mal seu medo da jovem. — Você está exagerando.
A essa altura, Miles e Tommy já levantaram atrás de Ash, a expressão cautelosa contorcendo seus rostos. No ano que passou, provavelmente mais pelo calor que pelo estresse de ficar ao ar livre, houve discussões horrendas e até algumas brigas de soco na ferrovia. Todo mundo agora ficava de guarda alta. Até Norma Sutters — a antiga regente de coral gorducha e zen — já levava a mão direita roliça cautelosamente ao punho de sua .44.
— Todo mundo baixando a bola! — Lilly levanta as mãos e fala sucintamente, mas com firmeza. — Jinx, para trás. Cooper, preste atenção. Você está levantando questões legítimas. Mas a verdade é que estamos avançando no preparo de mais biodiesel e temos aquele motor em Woodbury que já convertemos. Além disso, temos os vagões-plataforma puxados a cavalo e alguns carrinhos de mão para nos levar aonde precisamos ir até termos outros motores funcionando. Está bem? Está satisfeito?
Cooper Steeves olha a terra, solta um suspiro de frustração.
— Tá legal, pessoal! Ouçam! — Lilly olha para além do grupo a sua volta, para o restante dos trabalhadores. Estreita os olhos para o céu impiedoso, depois para seu pessoal. — Vamos terminar o almoço, limpar mais cem metros, cercar e encerrar o dia.
Às quatro horas daquela tarde, uma camada fina de nuvens havia chegado e parado acima da Geórgia central, tornando a tarde cinzenta e tempestuosa. A brisa traz o cheiro de ferrugem e decomposição. A luz do dia derrama um brilho descorado atrás do alto dos morros a oeste. Exausta, suada, com a nuca formigando de uma tensão nervosa inexplicável, Lilly encerra o dia de trabalho quando enfim vê a ofensiva ponte de Bell logo à frente. A ferrovia segue esse trecho por uma vala densamente arborizada, como o baluarte de uma ponte levadiça gótica, um trecho antigo maltratado, de madeira preta de mofo, tomada por trepadeiras e hera, gritando por reparos e reforço; uma tarefa colossal que Lilly está mais que disposta a protelar para o dia seguinte.
Ela resolve pegar uma carona para casa com Tommy Dupree em uma das carroças improvisadas puxadas a cavalo — a carroceria queimada de um utilitário antigo; o motor, as rodas da frente e a metade traseira removidos para acomodar uma parelha de cavalos de tração atrelada aos tocos do chassi. Tommy prendeu um sistema complexo de rédeas e nós corrediços aos animais, e, entre os relinchos e bater de cascos dos cavalos, e os rangidos e guinchos dos cabos provisórios, a coisa faz muito barulho enquanto eles tomam o acesso de terra que desce para os campos de tabaco ao sul.
Eles viajam principalmente em fila única, a carroça de Tommy na frente, seguida pelo restante dos trabalhadores, alguns a cavalo, outros em meios de transporte mistos semelhantes.
Quando chegam à rodovia 85, alguns da turma se separam do grupo para voltar às respectivas comunidades a norte e a leste. Bell, Cooper e outros ofereceram um cumprimento de cabeça quando viraram para o oeste e desaparecem na névoa do fim de tarde. Ash acena para Lilly ao liderar meia dúzia de seus companheiros, moradores de Haralson, em torno dos restos petrificados de um ônibus virado da Greyhound que jaz pelas pistas da rodovia no sentido norte. Os anos descoraram e cobriram os destroços com uma vegetação tão espessa que parece que a própria terra está em vias de reclamar a carcaça de metal do veículo. Lilly olha seu relógio de bolso. Já passa das cinco. Ela preferia chegar em casa antes de a noite cair.
Eles só veem sinais do ataque quando chegam à ponte coberta em Elkins Creek.
— Esperem… Peraí… Que merda é essa? — Lilly se deslocou para a beira do banco da cabine e agora se inclina para a frente, olhando o céu obscuro e estanhado sobre Woodbury, a cerca de 2 quilômetros de distância. — Mas o que diabos…?
— Ôa! — Tommy bate as rédeas e leva a carroça pela escuridão da ponte coberta. — O que foi isso, Lilly? Que fumaça é essa?
As sombras deprimentes tragam os dois por um momento enquanto os cavalos lutam para puxar a carroça pelo espaço fechado e malcheiroso, o barulho ricocheteando pelas tábuas maltratadas pelo tempo. Quando saem do outro lado, Jinx já passou zunindo por eles e esporeou o cavalo para um morro adjacente.
O coração de Lilly começa a disparar.
— Jinx, está enxergando? O que é a fumaça?
Na crista do morro, Jinx puxa o cavalo a uma parada canhestra e pega o binóculo. Olha pelas lentes, depois fica inteiramente imóvel. Quinze metros abaixo dela, Tommy Dupree faz a carroça parar aos sacolejos na estrada de acesso.
Lilly ouve os outros parando atrás. A voz de Miles Littleton.
— O que está acontecendo?
Lilly grita para a jovem no cavalo.
— Jinx, o que é?
Jinx fica dura como um manequim e olha pelo binóculo. Ao longe, uma coluna de fumaça preta como nanquim sobe em espiral do centro da cidade.
The Walking Dead, a história de drama mais assistida da TV a cabo, retorna no dia 12 de fevereiro de 2017 no AMC Internacional, às 00h, e no FOX Action (canal do pacote premium FOX+) e FOX Brasil, às 00h30. Confira todas as notícias sobre a sétima temporada.
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