O psiquiátra Steven Schlozman, faz um balanço da segunda temporada de The Walking Dead, traçando algumas caracteristicas e pontos de discussão sobre como a ética e a moral dos personagens são afetadas na série. Confira:
Então, o que pensamos até agora? Existem elementos temáticos característicos? O programa é acreditável apesar da premissa bizarra?
Da perspectiva de um entusiasta de zumbis e terror, eu gosto, acima de tudo, do passo lento, algumas vezes criticado, que o show permite. Nós construímos respeito pelas nuances confusas das escolhas e motivações, cada vez mais complexas, dos personagens. Nós entendemos que tomar a “melhor decisão” é enganosamente uma questão não dicotômica apesar do aparentemente honesto mundo de uma apocalíptica praga de zumbis. Isto é ainda mais incrível devido à aparente simplicidade das regras:
1. Zumbis irão te morder e te comer se acontecer de você trombar com eles.
2. Zumbis podem estar em qualquer lugar, em qualquer momento.
3. Você, então, precisa evitar os zumbis quando puder e matá-los quando precisar.
Essas regras são bem rígidas, mas como todas as boas histórias de moralidade, (pense sobre “Matar ou morrer” ou até mesmo sobre “A escolha de Sophia”) ambigüidade moral é mais nitidamente exibida em circunstâncias que aparentam ser simples. Por favor, não me entenda errado, eu não quero dizer que essas escolhas são fáceis. Eu apenas penso que, se você gosta do programa, você não consegue assistir e não se pegar imaginando o que você faria apesar do campo de jogo claramente demarcando.
Shane deveria ter matado Otis? Zumbis deveriam ser mantidos vivos em um celeiro? Esses zumbis, uma vez livres desse celeiro, deveriam ser mortos? Em outras palavras, você não consegue assistir o show sem se colocar no lugar dos personagens, e isso, eu apostaria, é a chave para um bom drama. Mantém o estranho autêntico e real.
Isso, na verdade, é muito incrível. Nós somos legitimamente atraídos para o que só pode ser chamado de um tipo de verossimilhança zumbi. Uma coisa é refletir sobre os dilemas de Gary Cooper em “Matar ou morrer”. Aqueles são verdadeiros e acreditáveis homens maus que ele enfrenta. Mas, em The Walking Dead, nós estamos falando de zumbis e ainda assim, eu tenho colegas de trabalho pensando em voz alta durante o almoço sobre como eles iriam lidar pessoalmente com a ambigüidade confusa que os zumbis trazem a tona.
Em um mundo de filmes destruidores de zumbis, filmes onde a premissa maior parece ser nada alem da pura alegria de partir em pedaços os zumbis errantes, usar os zumbis no lugar disso para fazer você parar e pensar é uma grande realização. Desde Battlestar Galactica as questões morais não tinham sido tão afiadas e cuidadosamente apresentadas em um cenário tão bizarro.
Como um psiquiatra, eu também gostaria de observar que o show usa essas questões morais como um meio de explorar as variadas formas de como nós humanos reagimos ao terror. No mundo às vezes confuso da fenomenologia psiquiátrica, esse aspecto do show, em si mesmo, tem um valor considerável.
Pegue a descrição de trauma que é característico do tom emocional definido no início da história. Porque no mundo real nós temos suportado alguns eventos realmente horríveis pelas últimas décadas, nós algumas vezes tentamos simplificar o nosso entendimento acreditando que toda resposta patológica ao trauma é igual. Este certamente não é o caso e The Walking Dead nos força a ponderar sobre esses assuntos no reino seguro da deslocação. Permita-me, então, essa breve divagação fenomenológica a fim de que eu possa passar o meu ponto de vista.
Nós temos a síndrome, TEPT (transtorno de estresse pós-traumático), para a qual a neurobiologia é bem elucidada (isto é, os cérebros da maioria das pessoas fazem coisas similares se eles tiverem o infortúnio de sofrer os efeitos patológicos em longo prazo de experiências traumáticas) e ainda assim o fenótipo dessas conexões neuronais similarmente falhas é imensamente variada. Na medida em que nós podemos argumentar que muitos dos personagens no show têm pelo menos alguns aspectos de TEPT, o show se torna um fascinante exemplo de como o TEPT pode ser diferente em pessoas diferentes. Mais controverso ainda, o show serve como um lembrete que de a aparentemente má resposta a uma experiência de horror de uma pessoa, pode ser a chave para que outra pessoa se mantenha psicologicamente sã. Respostas são exclusivas de cada indivíduo e em alguns casos nós podemos nos meter em apuros se nós considerarmos a atitude de “um-tamanho-cabe-em-tudo” para o que consideramos patológico.
Por exemplo, se pergunte isto:
O Shane sempre foi o cara sombrio que ele se tornou? Ele sempre foi um assassino utilitário? Esta é a sua resposta exclusivamente pessoal e elétrica aos eventos que se desenrolaram, ou é o resultado de mudanças em seu cérebro em resultado do desenrolar dos acontecimentos?
E sobre o Dr. Hershel Greene? Como pode Greene, o senhor fazendeiro e veterinário de pensamento claro, se chamar de Homem de Deus e ainda assim devolver preciosos humanos à selva? A ironia do Dr. Greene sentado à sua mesa e lendo a mesma Bíblia que contém histórias e lições de pessoas nessa mesma situação é bem impressionante. Ele poderia estar lendo sobre Abraão oferecendo um refúgio seguro à viajantes no deserto e ainda assim ele pede para que Rick e seu grupo saiam de suas terras. Dr. Greene está sugerindo que o Rick deveria se preocupar menos com o seu mundo atual, o mundo no qual sua esposa e filho agora residem? É por isto que ele para e pede ao Rick para que ele aprecie a beleza celestial do sol? Ou Greene está simplesmente retraindo seus buracos emocionais e se preocupando apenas em proteger sua família? Ele é cruel, realista, traumatizado, furioso, hipócrita, gentil, ou todos acima? E como ele teria sido se no lugar de zumbis, um furacão ou até mesmo uma guerra que tivesse deslocado seus cansados hóspedes?
Estas são as questões sombrias que o show traz à tona, e essas questões são em muitas formas, mais fáceis e menos inquietantes para refletir na deslocação do que é e só poderia ser ficção. Como eu disse para um coro de vaias na Comic-Con,zumbis não existem. Nós somos humanos; nós temos várias formas de fazer-nos sem depender de cadáveres famintos para fazer o trabalho por nós.
Eu tenho, porém, uma preocupação específica com The Walking Dead. Eu diria que os zumbis ficaram inexplicavelmente mais ágeis e inteligentes. Eu espero que a AMC não sucumba ao chamado das sereias de um zumbi que se move rapidamente; Um humanóide desajeitado, com morte cerebral, não deveria nem começar a abrir a porta de um banheiro de um Winnebago (empresa responsável por fabricar Trailers como o de Dale). Levando em conta que brigas quase irrompem em convenções de terror quando são discutidas as habilidades devidamente delineadas de um zumbi, eu me sentiria omisso se eu falhasse em, pelo menos, notar este distanciamento das clássicas tropas de zumbis.
Então faça isso por mim, AMC. Mantenha os zumbis lentos. Esta era a visão de Romero e esta visão presta-se melhor à complexidade sorrateira dos contos de zumbis. É assim que as coisas são mantidas interessantes. Faça os zumbis se moverem como se eles estivessem se arrastando através de melaço. Faça-os de metáforas ambulantes para as decisões complicadas que os humanos entre eles enfrentam diariamente. Isto manterá o show vivo por um longo, longo tempo.
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O livro de Schlozman, The Zombie Autopsies, foi publicado em Março do ano passado. Ele também é um colaborador da coleção O Triunfo de The Walking Dead.
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Fonte: Psychology Today
Tradução: @LinaDeff / Staff WalkingDeadBr
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