Quando Danai Gurira foi anunciada como uma das principais convidadas da Comic Con Experience 2017, o fandom comemorou. Depois de tantas tentativas frustradas de termos o elenco de The Walking Dead no Brasil e da resposta positiva à visita de Ross Marquand à CCXP 2016, finalmente teríamos uma oportunidade de mostrar a devoção dos fãs brasileiros e experimentarmos um pouquinho do que acompanhamos em outras convenções, via internet. Favorita dos fãs, uma das grandes convidadas para um evento que, hoje em dia, é maior em números do que a San Diego Comic Con e ganhando relevância maior ano após ano, o que poderia dar errado?
Quase tudo.
Fãs prepararam seus cosplays, ensaiaram suas frases na frente do espelho ou simplesmente foram a São Paulo munidos de admiração e expectativa. O que encontraram? Uma lista de regras para o meet and greet/photo op com Gurira:
– Proibida a entrada de qualquer acessório, ainda que de brinquedo, como Lucilles, katanas e assemelhados.
– Passe seu nome ao membro do staff. Ele irá apresentar vocês (ou anuncia-lo à Danai) e só então você está autorizado a falar com ela.
– Não toque nela, a menos que ela tome a iniciativa de tocar em você. Dentro da sala destinada à atividade, encontramos Danai Gurira, sorridente, bastante acessível ao diálogo, porém… sentada em uma imensa poltrona branca, da qual não se levantou em momento algum. Uma imperatriz recebendo seus súditos, mas com a diferença de que até mesmo a Família Real Britânica cumprimenta o seu povo, ainda que formalmente. Apesar de algumas das regras serem as mesmas recentemente adotadas em outras comic cons nos EUA (lá fora não existe a formalidade de alguém do staff fazendo as apresentações antes de podermos falar com Sua Majestade a Rainha do Apocalipse Zumbi), os resultados foram bastante diferentes. Claramente falando, foram desastrosos. As fotos, em sua maioria, foram constrangedoras, fato este inclusive comentado por fãs fora do país. Memes diversos comparando ao infame meet and greet com Avril Lavigne se multiplicaram à velocidade da luz. A decepção de muitos, idem. Ao final do primeiro dia, era comum ouvir de fãs que eles desistiriam da atividade e pediriam reembolso das fotos agendadas para o dia seguinte, ou que venderam seus meet and greet por se negarem a passar por tal constrangimento.
Danai Gurira, após um discurso que emocionou as quase 3 mil pessoas que assistiram ao seu painel, enfatizando a importância da mulher enquanto solução para o mundo e sobre a valorização da nossa identidade, senta-se candidamente em sua poltrona-trono, como uma bela estátua de ébano, a poucos metros e ao mesmo tempo a quilômetros de distância daqueles que a esperavam-na por tanto tempo. Intocável. Concordando com a barreira invisível colocada por seu staff, através do seu kit de regras, entre ela e o público. Pegou muito mal. Mas as regras não são as mesmas adotadas em outras convenções mundo afora, em especial nos EUA? Em teoria, sim. Na prática, observe as imagens abaixo – as primeiras duas fotos realizadas na Walker Stalker Con de Atlanta, e a outra na CCXP 2017:
Lembram da terceira regrinha? “Não toque nela a menos que ela tome a iniciativa de tocar em você.” Ao que parece, todos os brasileiros estão infectados, ou são selvagens. Ou ainda não tomam banho, cheiram mal, ou são psicopatas disfarçados de fãs, uma horda de Mark Chapmans esperando o momento do ataque. Nenhuma iniciativa, nenhum contato. Qualquer pessoa pode pesquisar no Google Imagens por fotos de Gurira em outros eventos para constatar que uma eventual “germofobia” ou algum problema com interações humanas não são uma justificativa. Alguns fãs relataram ter ouvido do staff a explicação de que as regras justificavam-se devido a diferenças culturais, mas novamente as fotos desmentem a teoria. Talvez o povo norte-americano não seja tão afetuoso ou tão demandante de contato físico como o brasileiro, mas não se pode considerar “diferença cultural” a falta de um abraço, um cumprimento ou uma pose menos miserável para a foto – como ela faz, sem constrangimentos, com os fãs americanos.
A palavra “discriminação” merecidamente circulou com força após as primeiras imagens ganharam a internet e foram comparadas à exaustão às sessões de fotos com fãs em eventos recentes no exterior. A segunda palavra mais falada foi “decepção”. O Twitter explodiu em comentários do tipo “Os fãs pagaram 300 reais para isso?” Pior ainda ficou a situação depois que também foram encontradas na internet fotos de Danai Gurira com o staff do evento – em pé, abraçada, no melhor estilo “comic con no exterior, onde os estrangeiros são limpinhos e não contaminados.”:
Em relação à organização da CCXP, no entanto, há que se dizer que dificilmente eles tem algo a ver com o ocorrido – como dito anteriormente, este conjunto de regras é semelhante ao adotado no exterior, ainda que o resultado final aqui tenha sido diverso. Algumas fontes mencionaram, inclusive, que havia o conhecimento por parte de pessoas que trabalharam no evento de que “o staff da Danai é diferente”. Assim sendo, nenhuma culpa deve ser imputada ao Omelete/organizadores da CCXP, salvo prove-se o contrário.
Resta então responsabilizar o staff e a equipe da atriz. A lógica nos diz que as orientações todas partiram da equipe de apoio desta ilustre convidada. Porém, há que se lembrar que a atriz não se submete ao staff, e sim o contrário. Apesar de ser bastante desconfortável imaginar ou deduzir que tal comportamento partiu ou, pelo menos, foi adotado com a concordância de Danai Gurira, parece que teremos que aceitar o desconforto e os fatos. Um gesto, uma palavra apenas, e ela teria transformado o pesadelo na experiência da vida de muitos fãs.
Ok, mas foi tudo um horror? Ao que parece, não. Gurira atendeu os fãs nas sessões de autógrafos sendo bastante simpática, sorridente e comunicativa. Ao contrário das sessões de fotos, todos saíram bastante satisfeitos. Vale lembrar, porém, que separando a atriz do público havia uma imensa mesa de autógrafos…
No último dia do evento, a última sessão de fotos/meet and greet foi cancelada e, até onde sabemos, nenhuma explicação foi dada.
A título de comparação, naquele mesmo domingo, outro astro de extrema relevância, famoso por sua trajetória estelar no cinema e na TV, presenteava a todos com verdadeiro show de carisma: Will Smith circulou vestido de “Orc” pelos pavilhões da CCXP até chegar ao estande da Netflix, onde levou o público ao delírio e mostrou seu encantamento e gratidão para com seus fãs fazendo o que, valendo-se das palavras de Milton Nascimento, todo artista deveria fazer: ir aonde o povo está. Smith, acompanhado dos ator Joel Edgerton e do diretor David Ayer ainda forneceram autógrafos – a Netflix distribuiu 300 pulseiras de acesso à sessão no domingo – tiraram fotos com alguns fãs e encantaram a todos, sendo praticamente uma unanimidade. Ora, quem diria. Um astro consagrado e que não tem medo do seu público…
Em tempos de grandes eventos no país e na expectativa do anúncio dos convidados da Zombies Weekend, gostaríamos de ter mais Will Smith e menos Danai Gurira. Mais demonstrações reais de gratidão e menos discursos motivacionais que não encontram reflexo na prática. Mais afeto e menos nojinho. Mais abraço e menos da famigerada “poltrona branca”, uma estranha e triste metáfora à atitude arrogante, discriminatória e “estrelinha” que decepcionou a tantos.
Que os managers e staff de outros artistas aprendam a lição.
The Walking Dead retorna no dia 25 de Fevereiro de 2018 com a segunda parte da oitava temporada.
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